RUíDOS NAS FAIXAS DE RADIODIFUSÃO DEMANDAM NOVAS ESTRATÉGIAS SETORIAIS
Por Flávio Archangelo | ||||||
O aumento real na renda do brasileiro e a expansão da classe média observada nos últimos anos motivaram o consumo de equipamentos eletrônicos e comunicações. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em fevereiro de 2010 o setor teve um incremento na produção industrial de 15,66%, e as perspectivas continuam promissoras. (1)Se por um lado isso aumenta a inserção da população na mídia de entretenimento, interação, e informação, agravam-se problemas do lixo eletrônico – no qual o Brasil é líder per capita entre os emergentes -, há aumento na demanda energética – que será globalmente triplicada até 2030 – e, quase nunca citada, observa-se uma degradação do espectro eletromagnético, um recurso natural e bem público gerido pelo estado. (2) (3)
A certificação de equipamentos eletrônicos sem uma legislação nacional mais específica e obrigatória sobre quesitos de EMC (Electromagnetic Compatibilities) contribui para o aumento geral no nível de ruído, inclusive nas faixas de radiodifusão. Isso prejudica serviços licenciados de comunicação e denigre a qualidade do produto nacional, que enfrenta regulamentações técnicas mais severas quando procura atender o mercado exterior. Entre os casos mais comuns de fontes interferentes estão alguns modelos de TVs de plasma, reatores eletrônicos, fontes para PC sem filtragem, fontes chaveadas, ou mesmo a má conservação das redes públicas de iluminação e distribuição de energia elétrica. No entanto nada se compara a tecnologia PLC (Power Line Communications), também conhecida como BPL (Broadband over Power Line) ou PLT (Power Line Telecommunications), cuja proposta comum é utilizar a fiação elétrica para ofertar banda larga, seja pelas redes públicas ou particulares caseiras. O problema é que o serviço utiliza espectro para portar a informação e as fiações se tornam imensas fontes permanentes de RFI, em proximidade dos receptores de TV ou rádio devido a grande capilaridade da rede de energia elétrica. O PLC é, inquestionavelmente, a tecnologia digital mais poluidora do mundo em termos de interferências eletromagnéticas. No Brasil, curiosamente, foi a ANATEL um dos vetores de promoção do PLC, aprovando em 2009 a polêmica Resolução 527, desconsiderando a maioria das manifestações populares na consulta pública e prejudicando imensamente a radiodifusão e os ouvintes de rádio do Brasil. O PLC ocupa pro forma o espectro entre 1,705 e 50 MHz, com poucos segmentos de exclusão representativos de alguns setores de rádio que fortemente questionaram no exterior um compartilhamento tão nocivo durante a fase de concepção tecnológica do sistema. No entanto todas as faixas de radiodifusão em OC e OT foram sumariamente ignoradas no Brasil e pesadas interferências PLC poderão superar os sinais de 100 estações licenciadas de 20 estados brasileiros, emissoras passíveis de capitalização diante da digitalização DRM (Digital Radio Mondiale) com cobertura regional, nacional ou internacional. Entre os serviços que serão afetados estão desde estações públicas do sistema Radiobrás, que prestam importantes serviços de comunicação social na região amazônica, a estações privadas do Sistema Globo de Rádio, Rádio Bandeirantes, Rádio Gaúcha, entre muitas outras. (4) O surgimento de novos PLAs (Power Line Adapters) para circuitos indoor aptos a interferir até os 300 MHz indica uma situação ainda pior de invasão espectral, atingindo radiodifusão em FM e televisão analógica. Testes realizados na Inglaterra de equipamentos da empresa Belkin registraram níveis de 14,45 dB acima dos limites da norma EN 55022 em 296,86 MHz, interferindo até mesmo no DAB (Digital Audio Broadcasting) (5). Algumas gravações em vídeo estão disponíveis no link: http:// tinyurl.com/plc-vhf Em junho de 2010, a OFCOM, órgão regulador das telecomunicações do Reino Unido, recebeu um estudo independente da PA Consulting Group tratando de prognósticos de expansão do PLC. Entre suas constatações:
O estudo considerou ainda a “probabilidade de interferências” em VHF. Ela foi estimada como “alta” para mais de 20% dos ouvintes, “média” entre 20% e 5%, “baixa” entre 5% e 1%, e “insignificante” para menos de 1%. Indubitavelmente trata-se de uma redução na audiência e na área de cobertura com o aumento proporcional no nível de ruído. (6) A RSGB (Radio Society of Great Britain) estuda questionar legalmente a OFCOM, seguindo o histórico nada bom das agências reguladoras com o poder judiciário. Nos EUA a Corte de Apelações de Washington obrigou a FCC a revisar sua legislação em 2008 diante da comprovação de adulterações em seus documentos oficiais que visavam favorecer normativamente a tecnologia PLC, desconsiderando os estudos sobre interferências. (7) Todo este cenário impõe um desafio aos radiodifusores brasileiros: reconsiderar EMC como um tema relevante, que merece atenção especial tanto em termos técnicos como jurídicos. É fundamental que os emissores, ouvintes e telespectadores disponham de espectro adequado para exercer sua comunicação. A redução no nível de ruídos é condição sine qua non para viabilizar e manter o serviço de radiodifusão, digital ou analógico, com confiabilidade e segurança. O temor está no Brasil adotar imprudentemente tecnologias questionáveis como o PLC; o país perder o controle na fiscalização do comércio de PLAs nacionais ou importados, potencializando um mercado pirata farto de terminais extremamente interferentes, formando redes tecnicamente inadequadas; e tanto a radiodifusão como a comunicação social serem fatalmente prejudicadas em compartilhamentos espectrais inviáveis devido à incompatibilidade entre os serviços. Notas finais
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Flávio Archangelo é Doutor em Comunicação pela UMESP – email: flavio.archangelo@gmail.com |